Microbioma Intestinal: O Papel dos Probióticos na Saúde Animal

A microbiota intestinal desempenha um papel crucial na manutenção da saúde animal. Ela é composta por uma vasta comunidade de microrganismos — incluindo bactérias, vírus, fungos e protozoários — que vão muito além das funções digestivas. Esses microrganismos participam de processos metabólicos essenciais, influenciam diretamente o sistema imune e se conectam a outros sistemas orgânicos por meio de eixos fisiológicos, como o eixo entero-cutâneo, entero-cerebral e entero-renal (CHEN et al., 2019; MONIAGA et al., 2022; MAYER, NANCE & CHEN, 2022).

Fatores que modulam o microbioma

A composição da microbiota intestinal em cães e gatos pode ser influenciada por diversos fatores, como alimentação, ambiente, uso de medicamentos, idade, tipo de parto, contato com produtos cosméticos e até distúrbios comportamentais. Essas variáveis podem levar a quadros de disbiose, afetando a homeostase e contribuindo para a manifestação de doenças sistêmicas (GARRIGUES et al., 2022).

Mais do que participar da digestão, a microbiota intestinal exerce papel essencial na modulação da tolerância imunológica. Através da ativação de linfócitos T regulatórios (Tregs), ela atua na prevenção de processos inflamatórios exacerbados e respostas autoimunes (MAHMUD et al., 2022).

Probióticos como ferramentas de modulação microbiana

Neste cenário, os probióticos se destacam como agentes de modulação intestinal com alto potencial terapêutico. São microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro. Devem ser inofensivos, apresentar viabilidade durante o trânsito gastrointestinal e resistir a condições como acidez gástrica e bile (SIVAMARUTHI, KESIKA & CHAIYASUT, 2021).

Sua ação benéfica pode ser local ou sistêmica, por meio de interações diretas com as células epiteliais e imunes do hospedeiro, ou de forma indireta, através da produção de metabólitos como os ácidos graxos de cadeia curta (YANG & WU, 2023). Além disso, os probióticos competem com patógenos por sítios de adesão, produzem substâncias antimicrobianas — como bacteriocinas e ácidos orgânicos — e promovem resistência à colonização (SANDERS et al., 2019).

Importante destacar que, além de reduzir patógenos clássicos, os probióticos atuam na supressão de patobiontes — microrganismos que fazem parte da microbiota comensal, mas que, em condições de desequilíbrio, podem adquirir comportamento inflamatório ou patogênico, contribuindo para a fisiopatologia de doenças cutâneas, intestinais e sistêmicas.


Prebióticos e pós-bióticos: sinergia funcional

Os prebióticos são fibras não digeríveis que servem como substrato preferencial para microrganismos benéficos no intestino grosso, promovendo seu crescimento e atividade. Já os pós-bióticos referem-se a metabólitos bioativos — como ácidos graxos de cadeia curta, componentes de parede celular bacteriana, entre outros — que exercem efeitos imunomoduladores, anti-inflamatórios e de manutenção da barreira intestinal (SALMINEN et al., 2021).

Evidências clínicas do uso de probióticos

Em um estudo conduzido por Kang et al. (2024), os efeitos das cepas Enterococcus faecium e Bifidobacterium lactis foram avaliados em cães com obesidade induzida por dieta hipercalórica. O uso dos probióticos resultou em redução significativa de citocinas inflamatórias (TNF-α, IL-1β, IL-6) e aumento na produção de ácidos graxos de cadeia curta, como ácido acético, butírico, isocaproico e glutárico — metabólitos associados à saúde intestinal e imunometabólica.

O estudo também apontou impactos positivos no metabolismo energético, com melhora nos perfis lipídicos, modulação de hormônios como leptina e adiponectina, e redução do ganho de peso, mesmo com manutenção da dieta hipercalórica.

Aplicações clínicas em nefrologia e reprodução

Em pacientes com doença renal crônica, a modulação do microbioma com prebióticos e probióticos pode reduzir a produção e translocação de toxinas urêmicas para a circulação, contribuindo para menor sobrecarga renal (CHEN et al., 2019).

Na reprodução, estudos como o de Alonge et al. (2020) mostram que a administração de probióticos e prebióticos no terço final da gestação pode aumentar significativamente os níveis de IgG, IgM e IgA no colostro, favorecendo a transferência de imunidade passiva aos neonatos e promovendo um início de vida mais saudável.

O reconhecimento da importância do microbioma intestinal representa uma mudança de paradigma na prática clínica veterinária. O uso de probióticos — aliado a prebióticos e pós-bióticos — oferece uma abordagem terapêutica promissora, baseada em modulação microbiana, capaz de impactar positivamente a saúde digestiva, imunológica, metabólica e sistêmica dos animais. A personalização dessas intervenções, aliada ao uso de cepas bem caracterizadas, representa o futuro da medicina veterinária preventiva e integrativa.

 

Ariane de Cassia Oliveira Cruz

Doutoranda em dermatologia veterinária (PUCPR), Mestre em Ciência Animal com ênfase em esporotricose felina, possui Residência nível II e especialização em clínica médica de animais de companhia (PUCPR). Atualmente trabalha como médica veterinária no Hospital Médicos de Bichos. CRMV/PR: 19.371

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